O cálculo que apura as eventuais diferenças na subscrição de ações oriundas da Telebras abrange obtenção e análise de dados de 13 empresas, ao longo de 22 anos (de 1998 até hoje), e exige a adequada compreensão técnica sobre as diversas cisões, incorporações, grupamentos e fechamentos de capital ocorridos no período, além da análise dos resultados das mesmas e seu impacto sobre dividendos, juros sobre o capital próprio, bonificações e outros. Entenda neste texto por que este cálculo é tão complicado e difere do cálculo relacionado com as telefônicas regionais como Telesc, Telepar, Telesp e outras em demandas por complementação de ações de empresas de telefonia.
Usuários, acionistas e o fim do monopólio estatal
Entre 1972 e 1998, a Telebras foi a concessionária responsável por gerir o setor de telecomunicações no país e promover a sua expansão em todo o território brasileiro. Para tanto, ela controlava diversas prestadoras regionais de serviços telefônicos que atuavam nos estados brasileiros, atuando como holding. Em 1998, no entanto, esse cenário mudou. Por decisão do governo federal, a Telebras passou por um processo de privatização, sendo cindida em 12 novas empresas holdings, perdendo o monopólio estatal de telefonia e telecomunicações que deteve ao longo dos 26 anos anteriores.
Os frutos deixados pela Telebras, no entanto, tiveram reflexos ao longo dos anos seguintes, isso porque, quando a Telebrás ainda estava ativa, não havia recursos públicos suficientes para a implementar a expansão prevista para as redes de telefonia fixa no país.
Para resolver esse problema, a Telebras e suas empresas locais passaram a captar recursos dos próprios usuários do serviço para financiar a ampliação. Portanto, os usuários que quisessem uma linha particular em casa ou no seu pequeno negócio, precisavam pagar um valor antecipado para obtê-la. Isso acontecia por meio dos chamados contratos de participação financeira, que eram firmados entre o usuário e as empresas de telefonia regionais. Assim, parte do dinheiro investido pelo interessado em possuir uma linha telefônica era usado pela Telebras e por suas operadoras de telefonia regionais, para criar a infraestrutura necessária à instalação daquele terminal.
No entanto, a forma de integralização desses recursos através de contratos de participação financeira fazia com que o usuário se tornasse automaticamente sócio da empresa de telefonia, recebendo ações da mesma. E o tamanho da participação acionária dependia diretamente do tamanho do aporte realizado. Portanto, na prática, o interessado não comprava a linha telefônica, pois o processo acontecia ao contrário: a partir do momento que o usuário se tornava sócio, investindo recursos através da quitação do contrato de participação financeira, surgia para ele o direito de ser proprietário de uma linha telefônica. A companhia telefônica, por sua vez, obtinha vantagem fiscal pelo fato de não vender a linha telefônica, mas, sim, por permitir que um novo interessado se tornasse sócio, aportando recursos nela.
Foi assim que a Telebras e suas operadoras regionais (Telesc, Telesp, Telepar, Telerj e outras) atraíram milhares de recursos para serem destinados à expansão do sistema de telecomunicações do país. E foi assim também que ela ramificou as suas participações acionárias em centenas de milhares de acionistas por todo o Brasil.
O que aconteceu com os acionistas da Telebras
Quando a privatização aconteceu e deu lugar ao processo de cisão, quem era acionista da Telebras, automaticamente passou a ser acionista de cada uma das 12 holdings com exatamente a mesma quantidade de ações que detinha da Telebras. Ou seja: a participação percentual foi mantida; apenas migrou da Telebras como um todo, para cada uma das empresas decorrentes da sua cisão.
Inclusive na época, a BOVESPA, visando facilitar a negociação daquelas ações, criou o Recibo de Carteira da Telebras (RCTB), composto de uma cesta de 13 ações, que continham papéis das 12 holdings criadas com a cisão da Telebras, além das ações da própria Telebras.
Discordâncias societárias na justiça
Anos depois da privatização, alguns proprietários das linhas telefônicas passaram a questionar porque o valor integralizado por eles não correspondia à quantidade de ações que lhes foram entregues. Isso aconteceu porque as companhias telefônicas fizeram a conversão da participação acionária dos usuários em um momento posterior ao da integralização dos recursos e o somatório de alta inflação com ausência de correção monetária dos valores afetou diretamente o capital investido.
Essa discordância levou a uma enxurrada de processos na Justiça em todo o país, oriundos de usuários que passaram a buscar o seu direito à indenização. Esses processos ficaram conhecidos como diferença na subscrição de ações de empresas de telefonia.
As primeiras demandas sobre o tema surgiram no início dos anos 2000 no Rio Grande do Sul. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), então, sumulou o entendimento de que o Valor Patrimonial da Ação (VPA) deve ser calculado considerando o momento da integralização do recurso. É o que diz a súmula 371.
O papel do perito profissional como auxiliar do Juízo
O principal papel do perito oficial, sem dúvida, é atender a decisão judicial imposta no processo. Neste sentido, em demandas que discutem a diferença na subscrição de ações, é necessário identificar algumas questões essenciais para que esse objetivo seja atendido. Dentre elas, a forma de conversão em pecúnia, se foi imposto o uso do balancete ou do balanço, quais consectários foram autorizados, sobre qual empresa deverá ser apurada a diferença etc
Portanto, quando imposta pelo Juízo que a diferença ocorra em ações da Telebras, como se pode perceber, o cálculo alcança uma complexidade extrema, não podendo ser atendido dentro da estrutura do poder judiciário. E isso ocorre não apenas pela quantidade de empresas que integram o procedimento, mas também pelos inúmeros eventos societários, como, por exemplo, cisões, grupamentos, fechamentos de capital, desdobramentos e outros, bem como pela necessidade de obtenção de inúmeros dados e elementos associados a um período de, no mínimo, 22 anos.
A experiência da Zambon no tema aponta que nos cálculos relacionados com a Telesc, além do relatório escrito, os cálculos costumam ser atendidos em planilhas de seis páginas, enquanto que, quando os cálculos envolvem a diferença em Telebras, as planilhas de cálculos pode alcançar 26 páginas.
Para chegar a um modelo de planilha que reflete o que aconteceu com o acionista da Telebras, a Zambon desenvolveu uma pesquisa documental em diversas fontes, incluindo periódicos e documentos em papel acessados em bibliotecas. Além da pesquisa, foi necessário amplos conhecimentos do mercado de capitais, da Lei das sociedades por ações (Lei 6404/76), de matemática financeira, da ciência econômica e muita organização de dados.
Por isso, toma forma a importância do perito que ostente formação econômico-financeira para acompanhar o processo. É imprescindível que ele esteja familiarizado com as regras e a operacionalização do mercado de capitais e possua a adequada compreensão e aplicação técnica de eventos como grupamento, desdobramento, subscrição, integralização, juros sobre capital próprio e outros.
Em 2009, o próprio STJ reconheceu a importância da nomeação de um perito economista para assumir os cálculos da subscrição de ações da Telebras. Veja o que diz o Recurso Especial nº 1.055.914:
CÁLCULO DA DIFERENÇA DE AÇÕES. QUANTIDADE. Deve ser apurado mediante liquidação por arbitramento com participação de perito especializado em valores mobiliários. As alterações do valor patrimonial da ação não têm qualquer relação com os índices oficiais de correção monetária (STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 1.055.914 – RS (2008/0101728-8) RELATOR: MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA j. 04 de março de 2009).
A nomeação de um perito economista contribui de forma célere para a conclusão da lide pelos julgadores. Ele pode auxiliar o Juízo a apurar, nos limites do caso concreto e com total imparcialidade, se existem valores a serem indenizados de fato e, se for este o caso, a quantificá-los, evitando prejuízos de ordem financeira a qualquer das partes.