Especialista aponta cuidados para comprar terrenos de marinha e como contestar demarcação

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Propriedades à beira-mar, ou mesmo próximas da praia, são consideradas juridicamente terrenos de marinha, e portanto, de propriedade da União. Debates em relação à precisão da demarcação desta área, que traz obrigações aos residentes, têm sido frequentes, pois o tratado que definiu a fatia do governo federal sobre os chamados terrenos de marinha considera uma linha traçada no século 19. Redefinições da “linha do preamar”, como é chamada, podem pegar de surpresa donos de imóveis, que passam a ser considerados “ocupantes”.

Depois de receber muitos questionamentos em decorrência de artigos técnicos escritos sobre o tema terrenos de marinha, a Zambon Perícia optou por abordar melhor o assunto, com foco nos questionamentos que lhe foram apresentados. Neste sentido, optou por expandir o debate abordando inclusive, questões legais e, para tanto, entrevistou o advogado Eduardo Bastos Moreira Lima, especialista no assunto.

Ao longo da entrevista exclusiva para o blog da Zambon Perícia & Avaliação, o advogado chama atenção para as ferramentas que os interessados em adquirir um imóvel na praia, e também os donos que venham a ser questionados, têm à disposição para evitar dores de cabeça. Segundo ele, é o assessoramento jurídico em relação à demarcação que permite evitar ou contestar uma demanda da União em caso de revisão dos terrenos de marinha, que muitas vezes são também áreas de proteção ambiental.

Lima destaca também que a ação legal dos advogados demandará, concomitantemente, a ação de perito assistente, por se tratar de tema extremamente técnico e multidisciplinar. Neste sentido ele afirma que “O trabalho de um assistente técnico é importante, pois através de sua expertise é que inconsistências técnicas poderão ser identificadas favorecendo a contestação dos estudos elaborados pelo Poder Público”. Veja a seguir a entrevista:

Quando um terreno é considerado uma área de Marinha? Como funcionam as novas demarcações?

Eduardo Bastos Moreira Lima: Terrenos de marinha são as faixas de terra fronteiriças ao mar, numa largura de 33 metros contados da linha do preamar médio (definido no ano de 1831) para o interior do continente, bem como as que se encontram à margem dos rios e lagoas que sofram a influência das marés, e mais as que contornam ilhas situadas em zonas sujeitas a esta influência.  

As demarcações necessariamente têm que seguir uma Instrução Normativa da Superintendência do Patrimônio da União (SPU).

Como a linha do mar foi fixada em 1831, como aferir com precisão estas distâncias hoje?

Os critérios técnicos deveriam nortear o trabalho da Comissão designada para tal finalidade, ao menos em tese, e permitir aferir com certeza científica o traçado da linha. Ou seja, não deveriam pairar dúvidas e ou incertezas a respeito do resultado final do levantamento.

Em uma das etapas/fases do processo de homologação da linha é justamente oportunizar ao ocupante/proprietário questionar a metodologia e o procedimento demarcatório, oferecendo elementos técnicos e históricos que venham a confrontar o resultado obtido.

A legislação sobre os terrenos de Marinha, principalmente nas faixas litorâneas, é alvo de debate, com base em um entendimento do século 19 em conflito com revisões recentes. Quem tem uma casa na praia deve se preocupar?

Esse bem (imóvel) pertence à União, e não ao particular que possui um direito de “ocupação”, e desta forma, toda transação imobiliária ou construtiva que envolva os chamados terrenos de marinha deverá ser cercada de todos os cuidados. 

Quais os principais cuidados? Podemos citar alguns pontos que devem preocupar?

Efetuar levantamentos não apenas no Cartório de Registro Público, como ainda analisar consultas de viabilidade, verificar a existência de ações judiciais que muitas vezes não foram averbadas juntos à matrícula do imóvel.

Como a perícia pode contribuir para evitar dores de cabeça para quem tem um imóvel perto do mar? 

O trabalho de um assistente técnico é importante, pois através de sua expertise é que inconsistências técnicas poderão ser identificadas favorecendo a contestação dos estudos elaborados pelo Poder Público.

Em Florianópolis, na parte insular, por exemplo, quase 40 mil imóveis estão aguardando notificação desde 2013 para que os proprietários possam apresentar de forma administrativa sua impugnação ao traçado, contudo, o que se verifica de forma concreta é que as consultas de viabilidade emitidas pela prefeitura já fazem constar a existência da linha presumida, impossibilitando assim, o pleno exercício do proprietário sobre o bem que ainda lhe pertence.

Se considerarmos o momento antes da compra do imóvel, a perícia bem executada terá condição de identificar esse passivo (se existe), valorá-lo e expor ao adquirente todos os eventuais riscos inerentes a negociação imobiliária e ou construtiva, de forma a permitir que o interessado tenha melhor condição em definir qual a postura a ser adotada prevenindo-o de eventuais infortúnios. 

No seu cotidiano profissional, quais os processos judiciais mais comuns em relação a terrenos de Marinha? 

Atualmente, as chamadas ações civis públicas de cunho ambiental têm por via transversa, embora não seja o pedido principal, debatido a questão demarcatória, em razão dos chamados terrenos de marinha serem (Art. 20, VII, da CF/88) considerados como bem da União, estarem inseridos ou sobrepostos em áreas de preservação ambiental.

Além do mais, em alguns municípios, o Plano Diretor trata o terreno de marinha como área non aedificanti gerando uma vedação/ limitação construtiva.

Embora não tenha natureza ambiental essa limitação construtiva, pois em tese é permitido construir em terreno de marinha desde que exista anuência da SPU, em alguns casos, ainda que não homologada a linha, municípios estão utilizando da demarcação presumida para fazer constar em suas consultas de viabilidade a informação referente à existência da dita linha.

O impacto disto são impedimentos de reforma, ampliações, negativas de alvará e ou renovação, expedição de habite-se.

Há ainda outros processos que visam contestar o processo demarcatório, porém o Poder Judiciário tem entendido que o fato de o processo demarcatório ter definido a linha como presumida teria o condão de definitividade, e portanto não seria necessário aguardar a homologação para que seus efeitos legais possam ser produzidos.

Vale lembrar que, nos locais onde a demarcação não se fez homologada, a presumida deveria ser entendida como presunção e nunca considerada como definitiva. Caso contrário, em mantido esse entendimento, o direito do particular em questionar um ato administrativo deixará de existir, bastando tão somente uma afirmativa do ente público, passando a presunção de veracidade dos atos administrativos ter força incontestável.

Quais os direitos de quem possui um terreno na beira do mar?

Direitos são a título precário no caso de imóveis inscritos, além de toda e qualquer transferência que deverá ser comunicada à SPU, que poderá ou não anuir.

Porém, o ocupante poderá através de um processo administrativo e a depender do preenchimento de critérios definidos buscar o aforamento gratuito ou oneroso, e mais recentemente a aquisição direta, ou seja, a compra do bem.

Há uma situação que causa estranheza, quando em alguns locais a demarcação foi ou está sendo modificada, e assim, alguns proprietários de imóveis devidamente matriculados nos registros públicos de imóveis, ou seja, de terrenos até então não considerados de marinha, passarão a ser considerados como meros ocupantes, uma vez que a linha demarcatória avançou sobre seu imóvel.

Outro direito que assiste aos proprietários é que nas regiões ainda não homologadas eles poderão de forma administrativa e posteriormente judicial debater o critério demarcatório.

E sobre a União, quais os direitos ela tem de mudar demarcações e exigir novos pagamentos?

Em locais onde não foi homologada a linha que define os terrenos de marinha, como é o caso de Florianópolis, por exemplo, a União pode avançar sobre imóveis até então não considerados terrenos de marinha, inclusive os que já têm registro de propriedade no registro de imóveis, bastando apenas uma notificação ao registro de imóveis para tirar a propriedade, transformando o imóvel em propriedade da União. 

Ainda, a administração pública pode rever seus atos de forma administrativa e, tomando por base essa premissa e considerando que os chamados terrenos de marinha são bem da União, a demarcação destes é uma obrigação. Isto é indiscutível. Contudo o que se espera é que o processo demarcatório que efetivamente vá definir o traçado de uma linha imaginária de 1831 de fato seja executado de forma a não conter erros que venham a determinar que uma determinada área seja considerada após a demarcação um bem da União, onde provavelmente não seria.

A implicação disto é a perda da propriedade, na medida que uma vez demarcada e homologada o patrimônio que antes era do particular passa a ser público, e o “dono” passará a ser ocupante, deixando de dispor o bem na sua integralidade e pagando por isso um “aluguel” pelo uso. Novas cobranças antes inexistentes passam a ser instituídas sobre o bem: os chamados laudêmio, foro e taxas por ocupação.

Um proprietário pode chegar a perder um imóvel em um desses conflitos jurídicos?

Sim, dependendo do caso. Se não contestar a homologação, está sujeito a perder a propriedade, por isso é importante que, uma vez notificado, faça isso.

Também é importante notar que construções edificadas nos chamados terrenos de marinha que não tenham a anuência da SPU poderão ser objeto de ação demolitória.

Florianópolis tem muitas obras em andamento na praia, o Campeche é um exemplo. No que o comprador deve prestar atenção para não ter surpresas?

Diversas construções estão sendo executadas em áreas que estão dentro da linha presumida, ou seja, que poderão ser futuramente homologadas e consideradas como terreno de marinha.

O comprador deverá diligenciar justamente isso e se além dessa projeção futura incide sobre o imóvel ações civis públicas entre outras.

Inclusive muitas negociações imobiliárias poderão ser afetadas e contratos de compra e venda poderão ser questionados em juízo, buscando sua nulidade em razão de um fato superveniente, onde o que foi negociado não pertence ao vendedor/incorporador, e sim à União. É um problema que construtoras e incorporadoras deverão se preocupar. 

Qual a situação ideal para se considerar regular um imóvel em terreno de marinha hoje?

Isso somente ocorre em locais onde a linha demarcatória estiver homologada. De forma geral, o interessado deverá realizar uma pesquisa junto à SPU a fim de verificar se o imóvel está ou não inserido dentro de uma projeção de eventual processo demarcatório, ou seja, se a linha foi homologada ou ainda é presumida. Se o imóvel de fato pertence ao ocupante ou se as transmissões foram ou não realizadas. Se há ou não débitos pendentes. Enfim, a certeza e a segurança necessárias para evitar dissabores futuros.

Se você está entre os 37 mil proprietários de imóveis em terras de Marinha incluídos na última demarcação realizada em Florianópolis, entre em contato com a Zambon Perícia & Avaliação, tire suas dúvidas e conheça as soluções que a perícia pode oferecer ao seu caso.

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