A arbitragem consolidou-se, nas últimas décadas, como um dos principais mecanismos alternativos de resolução de conflitos empresariais no Brasil e no mundo. Por sua natureza célere, confidencial e especializada, tem sido amplamente adotada em litígios que envolvem contratos complexos, grandes valores financeiros e interesses de partes com elevado grau de sofisticação técnica. Nesse contexto, a prova pericial desempenha papel central na produção de conhecimento técnico necessário à decisão arbitral, mas também impõe desafios específicos que exigem preparo multidisciplinar por parte dos profissionais envolvidos.
A Natureza Técnica da Prova Pericial na Arbitragem
A perícia em processos arbitrais guarda semelhança estrutural com aquela realizada no Judiciário, mas se diferencia em diversos aspectos formais e procedimentais. Em primeiro lugar, a especificidade dos temas debatidos — geralmente envolvendo disputas de engenharia, construção civil, finanças corporativas, avaliação de ativos, contratos societários ou propriedade intelectual — requer a atuação de peritos com alto grau de especialização.
Diferentemente da Justiça estatal, a arbitragem admite maior flexibilidade na escolha dos peritos e na definição do escopo e metodologia da perícia, conforme pactuado entre as partes ou determinado pelo tribunal arbitral. Ainda assim, a produção da prova deve respeitar os princípios do contraditório, imparcialidade e da imparciabilidade técnica, fundamentais para a credibilidade do processo decisório.
Desafios Práticos e Metodológicos da Atuação Pericial na Arbitragem
A atuação do perito em arbitragem apresenta desafios técnicos e estratégicos que merecem destaque:
1. Adaptação ao Procedimento Arbitral e seus Regramentos Específicos
Cada câmara arbitral possui regulamento próprio. Adicionalmente, as partes podem, por convenção, pactuar regras específicas para a produção de provas, inclusive sobre a forma de apresentação da perícia, prazos, direito de réplica entre os peritos (tribunal-appointed expert vs. party-appointed expert), entre outros aspectos.
Essa multiplicidade exige que o perito:
- Domine a estrutura e o cronograma do processo arbitral;
- Atue com elevada capacidade de organização e síntese;
- Conduza seus trabalhos de forma rigorosa, mas com adaptabilidade às diretrizes do tribunal arbitral.
2. Produção de Relatórios Técnicos com Clareza, Profundidade e Estruturação Jurídica
Ao contrário do processo judicial tradicional, onde o juiz pode exigir perícias adicionais ou complementares, o tribunal arbitral tende a esperar relatórios técnicos mais completos e autoexplicativos, que comuniquem com clareza os métodos utilizados, os dados analisados e as conclusões obtidas, muitas vezes sem margem para esclarecimentos posteriores.
Além disso, é comum que os árbitros não possuam formação técnica, o que exige do perito:
- Capacidade didática para explicar conceitos complexos com clareza;
- Rigor metodológico para fundamentar tecnicamente suas conclusões;
- Apresentação objetiva e lógica, sem linguagem excessivamente técnica ou ambígua.
3. Interação com Assistentes Técnicos e Exposição em Audiências Técnicas
A arbitragem frequentemente adota o modelo conhecido como “hot tubbing”, ou audiência técnica simultânea, no qual os peritos indicados por cada parte (ou o perito do tribunal) são ouvidos em conjunto, respondendo a perguntas simultâneas dos árbitros ou das partes. Este formato exige do perito:
- Sólida postura ética e profissional;
- Preparação aprofundada sobre todos os aspectos do seu laudo;
- Habilidade argumentativa para sustentar sua posição diante de contrapontos técnicos, muitas vezes sofisticados.
Além disso, é comum que o perito tenha que interagir previamente com os assistentes técnicos das partes, o que exige transparência, boa-fé e capacidade de gestão técnica de conflitos.
4. Conflitos de Interesse e Manutenção da Imparcialidade
O mercado de arbitragem é altamente especializado, e muitas vezes os mesmos profissionais atuam em diferentes processos ou já prestaram serviços para empresas envolvidas em novos litígios. A gestão de conflitos de interesse torna-se, portanto, um desafio ético relevante.
Peritos devem manter rigorosa independência técnica e institucional, declarando eventuais vínculos preexistentes, recusando indicações que comprometam sua isenção e zelando pela confiança no sistema arbitral.
A Escolha do Perito: Estratégia Técnica na Arbitragem
Dada a relevância da prova técnica em disputas arbitrais, a seleção do perito é uma etapa estratégica crítica. As partes ou o tribunal devem optar por profissionais com:
- Notório saber na área de atuação;
- Capacidade comprovada de redação e exposição técnica;
- Experiência prévia em arbitragens ou, no mínimo, entendimento dos seus procedimentos.
Muitas vezes, opta-se por consultorias periciais especializadas, que contam com equipes multidisciplinares e suporte técnico para lidar com grandes volumes de documentação, análise de dados históricos, projeções financeiras, cálculos complexos e reconstituições de eventos contratuais.
A Técnica como Alicerce da Justiça Privada
A arbitragem se firma como via eficaz para a resolução de litígios de alta complexidade — e a perícia técnica é seu alicerce quando os fatos litigiosos transcendem a compreensão comum. Neste ambiente, o perito não é apenas um técnico: é um agente da verdade processual.
Enfrentar os desafios impostos pela arbitragem exige mais do que domínio técnico — requer ética, didática, adaptabilidade e profunda compreensão dos princípios que regem a justiça privada. Quando bem conduzida, a perícia contribui decisivamente para decisões arbitrais mais justas, fundamentadas e respeitadas pelas partes e pela sociedade.