O empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica, instituído por meio da Lei nº 4.156/1962 e regulamentado por dispositivos posteriores, representou uma forma de financiamento estatal direcionado à expansão do setor elétrico brasileiro, notadamente à Eletrobras. Esse modelo legal, que vigorou até 1994, impôs aos consumidores de energia com consumo mensal superior a 2.000 kWh, a obrigação de contribuir com valores que seriam posteriormente convertidos em ações da Eletrobras ou restituídos em espécie.
Contudo, a morosidade e inconsistência na restituição desses valores, a conversão indevida de créditos e a ausência de correção monetária adequada originaram uma longa e complexa controvérsia judicial — cuja elucidação técnico-financeira se tornou um campo relevante de atuação para a perícia econômico-financeira.
1. Contextualização Jurídico-Financeira do Empréstimo Compulsório da Eletrobras
O empréstimo compulsório da Eletrobras foi um instrumento legal que visava viabilizar recursos para investimento e posterior desenvolvimento do sistema elétrico nacional. Para tanto, consumidores foram obrigados a “emprestar recursos” para a Eletrobrás, através da cobrança mensal efetuada com a rubrica “empréstimo compulsório” em sua fatura de energia elétrica mensal, a qual deveria posteriormente ser:
- Atualizada monetariamente;
- Acrescida de juros remuneratórios de 6% ano;
- E, no prazo de até 20 anos, o crédito deveria ser devolvido integralmente através de conversão em ações ou devolução em moeda corrente.
Entretanto, quando os valores passaram a ser devolvidos, sendo que a Eletrobras optou por devolver em participação acionária na companhia[1], muitos contribuintes perceberam que havia uma sensível diferença entre os valores emprestados e aqueles que estavam sendo devolvidos. Essa diferença se deu, principalmente, porque foi ignorada, durante certo intervalo, a correção monetária dos valores emprestados. Na prática, a Eletrobras adotava metodologia segundo a qual, os valores recolhidos em um ano só passavam a ser corrigidos monetariamente a partir de janeiro do ano seguinte e ainda, sob índices que de fato não refletiam a variação de preços plena.
Por conseguinte, milhares de ações judiciais foram propostas por empresas consumidoras com o objetivo de reaver os valores pagos, ou seja, a monta emprestada com a correção monetária plena.
2. A Relevância da Perícia Econômico-Financeira nos Casos de Empréstimo Compulsório
A apuração do valor devido nos casos do empréstimo compulsório demanda conhecimento técnico específico e multidisciplinar. Os desafios incluem:
- Levantamento histórico dos valores pagos entre os anos de 1977 e 1993;
- Conversão de valores nominais para valores atualizados;
- Incidência de juros compensatórios e moratórios;
- Eventual compensação das ações já emitidas;
- Determinação do valor presente a ser restituído através da conversão em pecúnia.
Nessa seara, a perícia econômico-financeira e contábil atua como elemento essencial para determinar a verdade dos fatos, produzindo laudos com base em registros documentais, notas fiscais de energia, recibos de pagamento e critérios legais de atualização monetária.
3. Metodologia Pericial Aplicada: Técnicas de Cálculo e Fundamentação Legal
O trabalho do perito, nomeado judicialmente ou contratado como assistente técnico pelas partes, envolve:
a) Levantamento Documental
- Identificação dos valores pagos mensalmente por meio das faturas de energia elétrica e/ou através dos extratos fornecidos pelas companhias locais;
- Consolidação dos comprovantes de recolhimento do empréstimo compulsório.
b) Aplicação de Índices de Correção Monetária
- Aplicação dos índices estabelecidos pelas decisões judiciais;
- Correções aplicadas com base em jurisprudência pacífica do STJ sobre a matéria.
c) Cálculo de Juros Remuneratórios e Moratórios
- Juros legais de 6% ao ano (remuneratórios);
- Juros de mora contados da citação.
d) Análise de Eventual Conversão em Ações
- Compensação de valores já recebidos em ações da Eletrobras;
- Cálculo de saldo residual não convertido ou pago.
e) Atualização até a Data do Laudo
- Apuração do montante devido em valores presentes, aptos à liquidação judicial.
- A metodologia deve ser transparente, baseada em planilhas auditáveis, e sustentada por fundamentação técnico-legal clara, permitindo ao juiz compreender a extensão do dano e fixar o valor da condenação de forma segura.
4. Jurisprudência e Reconhecimento da Atuação Técnica
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou entendimento favorável à restituição dos valores pagos a título de empréstimo compulsório, desde que devidamente comprovados. Em diversos julgados, o STJ reconheceu que:
“A Eletrobras está obrigada a restituir os valores pagos a título de empréstimo compulsório, devidamente atualizados e acrescidos de juros legais, observando-se o regime legal vigente à época.” (REsp 1.003.955/DF, Rel. Min. Herman Benjamin)
Essas decisões fortaleceram a atuação técnica da perícia, conferindo-lhe protagonismo na fase de liquidação de sentença, quando os valores efetivamente devidos precisam ser demonstrados de forma precisa e fundamentada.
5. Desafios Técnicos e Estratégicos na Atuação Pericial
Apesar dos avanços jurisprudenciais, o perito enfrenta diversos desafios práticos:
- Ausência de documentação completa por parte dos autores das ações (principalmente em processos antigos);
- Divergências metodológicas entre os assistentes técnicos, o que exige do perito judicial rigor técnico e imparcialidade;
- Volume de dados e série histórica longa, exigindo pesquisa de dados ampla e precisa.
Nesses contextos, a expertise do perito se torna decisiva para a construção de um laudo sólido, defensável e compreensível ao magistrado.
6. A Perícia como Garantia de Justiça Técnica nos Casos da Eletrobras
O empréstimo compulsório da Eletrobras representa um dos mais emblemáticos litígios de natureza contábil-financeira no cenário jurídico brasileiro, envolvendo valores vultosos, discussões complexas e uma longa série de precedentes jurisprudenciais.
A perícia econômico-financeira e contábil atua como instrumento técnico de justiça, conferindo objetividade e segurança às decisões judiciais. A partir da análise meticulosa dos documentos, da aplicação correta das normas legais e da elaboração de cálculos atualizados e fundamentados, o perito contribui para reparar prejuízos históricos causados a milhares de contribuintes, devolvendo-lhes aquilo que lhes é de direito — com técnica, ética e precisão.
[1] A primeira conversão de ações, vinculada à conversão dos créditos constituídos entre 1978 e 1985, ocorreu por meio da 71ª AGE em 20/04/1988)





















