A poupança é, desde sua implementação no país até hoje, a forma de aplicação mais popular entre os brasileiros. Apesar de seu rendimento ser historicamente baixo comparado a outras modalidades de investimento, a tradição e a praticidade pesam na hora de buscar uma opção segura para guardar dinheiro. Entretanto, poucos sabem como isso tudo começou.
Se alguém lhe dissesse que a poupança foi criada por Dom Pedro II há 160 anos atrás e que é a forma oficial de aplicação mais antiga do Brasil, você ficaria surpreso? Isso mesmo, a poupança surgiu em 12 de janeiro de 1861, quando Dom Pedro II assinou o decreto nº 2.723 estipulando a criação da Caixa Econômica Federal e também da caderneta de poupança. O objetivo na oportunidade era captar recursos e permitir o acesso de classes mais pobres à possibilidade de economizar valores de forma segura, pois, sob a garantia do Governo Imperial, o dinheiro seria devolvido quando seu dono o desejasse.
E as surpresas não acabam por aí, ao longo de mais de um século e meio, a poupança sofreu várias mudanças, acompanhou inúmeras mudanças na base monetária, sofreu reveses, como o confisco do governo Collor, no início dos anos 90, que congelou parte do dinheiro aplicado e rendeu processos judiciais que se arrastam até hoje, mas nada conseguiu abalar a relação de confiança entre o brasileiro e a poupança.
O poder Judiciário, por sua vez, também passou a fazer parte da história da poupança, pois para ele foram direcionados centenas de milhares de processos que discutiam possíveis perdas de correção monetária nos governos de José Sarney e Fernando Collor. Estas inúmeras ações eram decorrentes dos planos econômicos Bresser, Verão, Collor I e Collor II. Estes planos popularizaram a expressão expurgo inflacionário — quando a correção monetária de uma aplicação financeira não considera corretamente o avanço da inflação naquele período. Poupadores da época e herdeiros pedem até hoje na Justiça reparação por perdas financeiras.
Veja a seguir fatos e curiosidades sobre a história da poupança:
Em 12 de janeiro de 1861, Dom Pedro II assinou o decreto nº 2.723 estipulando a criação da Caixa Econômica Federal e da caderneta de poupança. O objetivo era captar os recursos que classes mais pobres tinham para economizar;
De início, o investimento pagaria 6% de juros ao ano e o titular da poupança poderia sacar quando quisesse o dinheiro, com garantia do governo imperial do Brasil.
O termo “caderneta de poupança” vem do caderninho de anotações que o investidor recebia ao abrir a conta, para que anotasse os rendimentos da aplicação.
Em 18 de abril de 1.874, foi assinado o decreto nº 5.594, que estipulava que as taxas de juros não seriam superiores a 6% ao ano e que a taxa seria fixada uma vez por ano.
Em 1915 foi estipulado pelo decreto nº 11.820 que mulheres casadas poderiam ser titulares de aplicações na poupança, desde que houvesse permissão do marido; entretanto, somente em 1934 as mulheres conquistaram o direito de abrir suas cadernetas, independente da vontade de seus maridos.
O decreto nº 24.427, de 14 de junho de 1.934, modificou o regulamento da caderneta de poupança e criou o Conselho Superior, órgão responsável pelo controle e fiscalização das Caixas Econômicas que existiam naquela época.
No dia 21 de agosto de 1964, entrou em vigor a lei nº 4.380 que fixou a taxa de rendimento mensal de 0,5% (6% ao ano), e ainda trouxe a figura da correção monetária, que passaria a atualizar o dinheiro investido na poupança. O valor da correção seria definido pelo Banco Central do Brasil.
Como forma de estimular a poupança interna, o Decreto-Lei nº 1.338, de 23 de Julho de 1974 permitiu que as pessoas físicas pudessem abater do imposto de renda devido, parte dos aportes realizados. Neste sentido, seu Art 2º assim determinava: “As pessoas físicas poderão reduzir o imposto sobre a renda devido de acordo com a sua declaração em cada exercício, em montante equivalente aos valores que resultarem da aplicação dos percentuais abaixo especificados sobre as quantias que voluntária e efetivamente aplicarem, no ano-base, diretamente ou por intermédio de instituições financeiras autorizadas, em quaisquer dos investimentos de interesse econômico ou social enumerados a seguir, observadas as limitações respectivas e a de que trata o § 1º: (Vide Decreto-Lei nº 1.424, de 1975)”.
Por um determinado tempo, existiu uma poupança especial, denominada caderneta de poupança programada, a qual, prometia um rendimento maior, com taxas de juros anuais de até 9,00% ao ano, mas exigia que o depositante contratualmente assumisse o compromisso de efetuar depósitos por prazos entre 12, 18 e 24 meses. Os rendimentos eram progressivos e creditados trimestralmente com uma carência inicial de seis meses para saque. Essa modalidade incluía ainda um seguro de vida que garantia a efetivação dos depósitos programados restantes do contrato após a morte do titular.
Até Julho de 1.983, os rendimentos da poupança eram creditados no primeiro dia útil de cada trimestre, ou seja nos meses de Janeiro, Abril, Julho e Outubro. Portanto, os juros de 6,00% ao ano eram também capitalizados trimestralmente, logo, o rendimento relacionado aos juros era de 1,467% ao trimestre.
A caderneta de poupança com data de aniversário em todos os dias do mês não existia. Desta maneira, o poupador só recebia os rendimentos depois de deixar suas economias depositadas por um período de no mínimo um trimestre.
Foi na década de 1980, período de enorme inflação de preços, que a correção monetária passou a ser diária, porém para obtê-la, os recursos precisavam permanecer depositados por no mínimo, um mês. Nesta mesma época, as poupanças passaram a ter data de “aniversário”. O Banco Central diante da assustadora inflação passou a publicar diariamente o fator de correção para os depósitos mensais.
A inflação com dois dígitos parece algo distante, mas no governo José Sarney (1985-1990), o Brasil passava por um período de hiperinflação, com índices mensais que ultrapassaram comumente os 20%. A tentativa de estabilização fez surgir os planos Bresser e Verão, que ao congelarem preços e mudarem indicadores econômicos para tentar conter a inflação, acabaram afetando o rendimento da poupança, resultando em processos judiciais que encontram-se no judiciário até os dias de hoje.
Neste sentido, os poupadores procuraram o judiciário alegando que o índice de inflação medido e que deveria ser repassado na forma de correção monetária as poupanças era de 26,06% no Plano Bresser e de 42,72% no Plano Verão, entretanto, teriam eles recebido das instituições financeiras 18,02% e 22,36% respectivamente.
Anos depois, em 16 de março de 1990 a experiência foi bem mais traumática para os poupadores, pois o Plano Collor determinou o congelamento por 18 meses de 80% dos depósitos das contas correntes e poupanças que excedessem o valor de 50 mil cruzados novos. Além disso, sobre os saldos de até NCz$ 50 mil (cruzados novos), mantidos nas contas, os poupadores alegam terem sofrido perdas inflacionárias relativas à desvalorização da moeda (perda do poder de compra), sobretudo em abril (e não em março, que foi o mês do confisco) na ordem de 44,80%, sendo que, naquele mês, os bancos não pagaram a variação da inflação, mas somente o juro contratual da poupança (na época, 0,5% ao mês).
É interessante observar sobre o “confisco” do Plano Collor foi tão traumático que muitos acabaram não percebendo, ou até mesmo esquecendo, outra consequência perversa, pela ótica econômica, do mesmo plano, que foi a perda do poder de compra de cerca de 44,8%, decorrente da inflação aferida em abril e não reposta no mês de maio de 1990.
Sobre o Plano Collor, expressiva parcela dos poupadores da época também busca reaver as perdas inflacionárias da sua conta poupança através de processos na Justiça.
Rendimento da poupança hoje
Em 2020, o rendimento da poupança ficou em 2,11% ao longo do ano – menor do que a prévia oficial da inflação do ano, de 4,23%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em janeiro e fevereiro deste ano, o índice ficou em 0,12% ao mês.
Vale notar que este é o rendimento para depósitos feitos a partir de 4 de maio de 2012. Para aqueles realizados antes desta data, o rendimento é o mesmo todos os meses: 0,5%.
Isso porque depósitos feitos a partir de 4 de maio de 2012, o rendimento da poupança é igual a 70% da Taxa Selic mais a Taxa Referencial (TR). Como a TR está próximo a zero, é comum simplificar e dizer que a poupança rende 70% da Selic, a taxa básica de juros do país.
Como a Selic despencou em 2020 (saindo de 4,5% em janeiro para 2% em dezembro), a poupança rendeu apenas 2,11% no ano passado.
Por André Zambon
Perito profissional sócio da Zambon Perícia & Avaliação.
(Versão resumida deste artigo foi publicada no portal Migalhas)